segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Nunca fui de ter inveja, mas de uns tempos pra cá tenho tido.
As mãos dadas dos amantes tem me tirado o sono.
Ontem, desejei com toda força ser a moça do supermercado.
Aquela que fala do namorado com tanta ternura.
Mesmo das brigas ando tendo inveja.
Meu vizinho gritando com a mulher, na casa cheia de crianças,
sempre querendo, querendo.
Me disseram que solidão é sina e é pra sempre.
Confesso que gosto do espaço que é ser sozinho.
Essa extensão, largura, páramo, planura, planície, região.
No entanto, a soma das horas acorda sempre a lembrança
do hálito quente do outro. A voz, o viço.
Hoje andei como louca, quis gritar com a solidão,
expulsar de mim essa Nossa senhora ciumenta.
Madona sedenta de versos. Mas tive medo.
Medo de que ao sair levasse a imensidão onde me deito.
Ausência de espelhos que dissolve a falta, a fraqueza, a preguiça.
E me faz vento, pedra, desembocadura, abotoadura e silêncio.
Tive medo de perder o estado de verso e vácuo,
onde tudo é grave e único. E me mantive quieta e muda.
E mais do que nunca tive inveja.
Invejei quem tem vida reta, quem não é poeta
nem pensa essas coisas. Quem simplesmente ama e é amado.
E lê jornal domingo. Come pudim de leite e doce de abóbora.
A mulher que engravida porque gosta de criança.
Pra mim tudo encerra a gravidade prolixa das palavras: madrugada,

mãe, ônibus, olhos, desabrocham em camadas de sentido,
e ressoam como gongos ou sinos de igreja em meus ouvidos.
Escorro entre palavras, como quem navega um barco sem remo.
Um fluxo de líquidos. Um côncavo silêncio.
Clarice diz, que sua função é cuidar do mundo.
E eu, que não sou Clarice nem nada, fui mal forjada,
não tenho bons modos nem berço.
Que escrevo num tempo onde tudo já foi falado, cantado, escrito.
O que o silêncio pode me dizer que já não tenha sido dito?
Eu, cuja única função é lavar palavra suja,
nesse fim de século sem certeza?
Eu quero que a solidão me esqueça.

(viviane mosé)

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

II Sarau Literário via Twitter


Em comemoração a Proclamação da República do Brasil, será realizado o II Sarau Literário via Twitter. Venha participar, compartilhe seus textos conosco, e leia os dos outros. Cada RT é um aplauso!
 
NÃO HÁ REGRAS, mas algumas sugestões são interessantes:

    ♣ Cuidado para não ser bloqueado durante o evento, há um limite de tweets por dia.
    ♣Não publique textos de terceiros: nós queremos ler a sua obra (não precisa ser inédita);
    ♣ Não divulgue blogs, sites, ou similares durante o evento. Entenda isso como uma conversa durante uma declamação: não é o momento adequado para isso;
    ♣ Não publique outra coisa que não seja textos literários, RTs e comentários;
    ♣ Quanto aos RTs, sugerimos que usem a ferramenta do twitter para isso, e não da forma manual: "RT @renanrop..."
    ♣ E por favor, divulgue e participe, o cartaz acima pode ser publicado em qualquer blog, site, ou twitter, é só copiar a imagem. O s@rau não é meu, é de todos os twitteiros que vivem a Literatura no Twitter dia a dia, e para aqueles que querem entrar nesse mundo;
    ♣ O mais importante: Não se esqueça da hashtag: #SarauBrasil


Gostou da ideia? Vai participar? Então leia a página lista de presença e siga as instruções.

terça-feira, 18 de outubro de 2011






chova, chuva!
percebe-te que
já é primavera

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Placenta

"Olhe para as crianças no parque, elas estão felizes;
Agora estão brincando, mas logo irão crescer...
E terão que aprender a sofrer, ou seja,
Aprender a viver."

domingo, 18 de setembro de 2011

Minha vida sem mim

Tenho andado distraída, impaciente, e um tanto quanto infeliz. Como naqueles dias em que eu não caibo em lugar nenhum. Como naqueles dias em que algo queima dentro de mim, incessantemente, causando uma angústia enorme que parece não ter fim. Ontem foi mais um desses dias. 
Ontem senti como se não fosse mais sobreviver ou suportar. Foi então que, não sei ao certo como isso se deu, comecei a vizualizar toda a minha vida sem a minha presença. Minha vida sem mim. E chorei, e sofri, e doeu, muito.
Doeu muito ver todas as pessoas que eu amo falando de mim como se eu não mais existisse. Doeu muito ir até o trabalho e escutar a conversa dos meus colegas sobre como eu fui, tão extrovertida para conseguir esconder uma introversão maior ainda. Doeu muito olhar meus alunos de longe perguntando porque eu não tinha ido dar aula aquele dia. Doeu muito ver outra pessoa na posição de oradora na minha formatura explicando o motivo de eu não estar lá. Doeu muito perceber que eu fiquei muito, muito triste em não estar participando de momentos dos quais, às vezes, eu reclamo tanto.
Doeu mais ainda sentir o sofrimento da minha família. Lembrar de com quais palavras eu deixei cada um. As palavras frias que tenho falado ultimamente, um tanto indecisas, um tanto distantes. Pensei em como seria para minha mãe ver a única filha se esvaindo, assim. Comecei a pensar no que fariam com meus livros e filmes, se os guardariam, se não. Então imaginei como seria quando lessem todas as cartinhas que eu guardo em uma caixinha, as cartinhas e bilhetes da adolescência. 
E foi num impulso que saí dessa imersão e corri para a minha caixa de cartinhas. E li todas, devorando uma a uma, lembrando de cada um daqueles momentos, relembrando cada aventura. Então percebi como eu já fui uma pessoa menos complicada, mais alegre, menos dura. E tive uma vontade enorme de ser alguém melhor agora, com tudo que sei e antes não sabia, mesmo com a ausência de todas as pessoas que perdi nessa caminhada, e com todas as que conquistei e tenho em minha vida agora. Viver o aqui, na minha vida, bem assim. Pois, se tem algo que eu decidi que não quero, é viver minha vida sem mim.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

I never learned how to stay

Ah, não. Não me venha com esse papo de que mesmo pássaro que foi feito pra voar por aí quer ter um lugar pra ficar. Não quer não. Estamos sempre em busca de locais provisórios, desses que preenchem o vazio por algum tempo e logo ficam chatos.
E o tempo de estadia em um lugar é sempre curto. Já ouviu falar que os lares são, na verdade, as pessoas que moram neles? Então, por isso temos que mudar de lar antes de nos moldar e afeiçoar a eles. Estar em um lugar significa seguir suas regras e padrões, se anular e compartilhar sempre tudo e qualquer coisa que possamos vir a pensar ou sentir, e isso nos cansa, muito.
Pássaros assim, gostam da brisa da manhã no rosto e nas penas, gostam da mudança de estações e com ela a mudança de hábitos, de lugares. Pássaros assim não nasceram pra serem achados; eu não nasci pra ser achada.
Faz assim, me deixa sair. Eu, bem assim, com esse meu jeito bicho do mato que se esconde atrás dos arbustos, sou um pássaro arredio que some na imensidão do céu a partir do menor sinal de procura. Me deixa sair, porque eu não consigo mais ficar.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

arriscar é preciso


estive pensando sobre o quanto arriscamos todos os dias.
sobre como é arriscado escolher se levantar e sair de casa. é possível que você pegue um resfriado, seja assaltado, perca o ônibus e chegue atrasado no trabalho. viver é um risco danado.
por isso, não tem porquê não querer corrê-lo, não há escolha!
ainda me lembro da primeira vez que depilei as pernas. minha mãe nunca tinha permitido que eu o fizessse, então, esperei que ela dormisse, peguei os utensílios necessários, e, fiz aquilo!
não vou dizer que foi fácil encarar ela depois, mas, eu tive que arriscar! se eu quisesse andar por aí com as pernas depiladas eu teria que sentir o coração pulsando mais forte, o sangue correndo mais quente. e, vejam só, o resultado foi positivo.
em qualquer situação temos um sim ou um não. ficar em cima do muro é que não vale. arrisque-se!

segunda-feira, 6 de junho de 2011

os olhos
oham
através
da janela
procurando
loucamente
algo que
os agrade
assim
devagarinho.

lá de fora
a paisagem
não mais
que antiga
bonita
colorida
olha de volta
e vivemos
a cumplicidade
imagética!

meu dia por um 'bom dia' seu.

trocaria, sim, meu dia pelo seu "bom dia".
trocaria, porque assim ganharia o dia de qualquer forma.
eu não sei como agir quando acordo de manhã. mas sempre espero que, ao olhar para o celular que desperta freneticamente, esteja escrito "1 nova mensagem". só isso.
então, quando vejo que não tem nada escrito lá na telinha, penso que você não acordou ainda, ou que acordou de mau humor e não está a fim de falar comigo, ou que uma nave alienígena pousou no seu jardim a noite e te levou pra sempre. penso também no que eu possa ter dito que possa ter te chateado o suficiente pra me fazer não merecer um "bom dia". tomo café da manhã sem "bom dia", pego ônibus sem "bom dia", vou pra faculdade sem "bom dia". a adriana calcanhoto canta que "você tem meia hora pra mudar a minha vida", e eu canto que você tem meia hora pra me dar "bom dia". mas não adianta. aí não aguento... e te mando um sorridente "bom dia" gritando a vontade de te ter pertinho logo cedo.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

- Seus olhos são lindos, sabia?
Eu disse. Não queria ter dito esse "sabia", nem ter que encerrar com ponto de interrogação. Ensaiei por muito tempo, mas assim o disse.
Então ouvi, de um rosto colado a meu ombro esquerdo:
- Nham!
- Enquanto estava longe, foi só neles, nos seus olhos, que pensei.
Então o abraço ficou mais forte, e o vento soprou mais leve naquele lugar só nosso, de onde vemos as luzes sempre tão lindas à noite.

domingo, 29 de maio de 2011

I S@rau Literário via Twitter

Vai ser ótimo! Vamos todos participar!


Algumas sugestões para quem for participar, não há regras, porque o Twitter é democrático demais para isso (texto de Renan):

  • Não publique textos de terceiros: nós queremos ler sua obra, não do Caio Fernando Abreu ou do Millôr (a menos que este participe também).
  • Não divulgue blogs, sites, ou similares. Entenda isso como uma conversa durante uma declamação: não é o momento adequado para isso.
  • Não publique outra coisa que não sejam textos literários, RTs e comentários durante essas duas horas: já que você vai no sarau, está lá, acredito que os outros assuntos possam ser adiados.
  • E por favor, divulgue e participe, o cartaz acima pode ser publicado em qualquer blog, é só copiar a imagem. O s@rau não é meu, nem do Renan, nem da Giselle, é nosso.
  • Não se esqueça da data, horário e o principal a hashtag: #sarauletras365
Dúvidas, críticas ou sugestões:
rop.renan@hotmail.com ou @renanrop
dani.s.freitas@gmail.com ou @Daniele_SF
gisellezamboni@uol.com.br ou @gisellezamboni

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Estive sumida, desaparecida, desencontrada. Estive trancada em mim, para mim, sobre mim, sobre tudo, sobretudo. Andei, observei, aprendi. Aprendi que A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa. E que, Quando se vê, já são seis horas! Quando de vê, já é sexta-feira! Quando se vê, já é natal... Quando se vê, já terminou o ano... Quando se vê perdemos o amor da nossa vida. Quando se vê passaram 50 anos! Agora é tarde demais para ser reprovado...(*)
Então, após dificilmente digerir tudo isso fui subitamente atropelada por uma vontade louca de viver de outro jeito. Com menos amarras, menos freios, mais planos para o presente. Mais choro, mais riso. Mais, muito mais. Enfretar os perigos com as mãos geladas, o estômago embrulhado e a cabeça a mil. Atender o telefone mesmo quando acho que a notícia não é lá muito a que espero, e após tal confirmação, me alegrar muito por ter atendido e por ter sido produtivo. Viver assim, sem tragicizar antes de que tenha acontecido. Viver numa espécie de "Let it be" enérgica, sentimental, e com valor.

(*) O tempo, Mário Quintana.

domingo, 10 de abril de 2011

"As vezes
a gente
fica assim

e mesmo
sem motivo
e quer andar
por aí...
As vezes
a gente
não sabe
o que quer

mas sabe como é
e quer, muito,

mesmo assim."


[Comerciais de cigarro - D.O.D]

quinta-feira, 7 de abril de 2011

sábado, 2 de abril de 2011

Sobre eu e Nick Belane

Ontem o dia amanheceu estranho. Parecia fresco, mas, só parecia. Abri os olhos mas não conseguia levantar. Passara a maior parte da noite acordada, afundada em tarefas e tarefas intermináveis. Aliás, essa já era uma constante. Saí de casa, atrasada. Sabia que ia ser meu último dia junto ao Nick Belane [ao menos dessa vez], pois, só umas 50 páginas de leitura me separavam da última.
Respirei fundo, entrei no ônibus, abri o livro. Nick Belane - o melhor detetive de LA. Tão humano, tão sensível, tão idiota, tão pensante, tão eu. A não ser em relação ao vício com a bebida e as corridas de cavalo, tão eu.
Gosto da paisagem da universidade em que estudo. Gosto mesmo. Gosto da minha cidade natal, também. Mas, tem dias que simplesmente eu não caibo aqui. E esses dias têm sido cada vez mais frequentes. Cada pessoa que passou por mim ontem me irritou profundamente. Tinha um grupinho de estudantes parado no meu caminho. Ou eu pedia pra passar, ou passava em baixo do braço do cara. E foi isso que fiz - passei embaixo do braço dele, e, levei uma pancada na cabeça. Por que ele tinha que abaixar o braço aquela hora? Parecia até implicância.
Entrei na sala. Lotada. Odeio essas disciplinas que vários cursos são obrigados a fazer e que deixam a sala misturada, uma bagunça. Uma das poucas pessoas com quem eu me importo naquele curso tinha guardado lugar pra mim.
- Bethânia, você tá bem?
- Respirar dói - disse com os olhos quase prontos para expelir lágrimas.
Passou. Sempre passa. E, sempre volta.
Fui trabalhar após o almoço. Calor, sono, e um ônibus lotado, com um motorista que não sabe pisar no freio gradativamente. Isso me separava do Nick Belane e suas peripécias de detetive. O pior detetive de LA.
Na volta do trabalho é que tive meus últimos momentos a sós com Nick. E, tinha uma menina felizinha sentada do meu lado. Desceu numa parada perto de um cursinho pré-vestibular da elite da cidade. Era daquelas que os pais pagavam horrores para que ela pudesse entrar na faculdade. Mal ela não sabia o que a esperava por lá. Sorrisos falsos, olhares discriminadores, pessoas completamente interessadas em se aproveitar de você e sua atividade intelectual.
Cheguei na última página. Fiquei triste. Muito triste. Nick morre no final. Você morre no final. Eu morro no final. Os finais são assim. Tristeza seguida de um vazio agudo, e uma sensação de que ando assim, cheia de tudo. As pessoas não entendem o que sinto quando acabo de ler um livro com o qual me envolvi emocionalmente. A menina felizinha do cursinho não entende. Você não entende.
Com o Nick não tive medo de ver um lado que às vezes tento esconder de mim. Ele é encanto e desencanto. E é por essas e outras que sentirei tanta falta dele.

"Do lado de fora, atravessei decidido a poluição. Tinha os olhos azuis, os sapatos velhos e ninguém me amava. Mas tinha coisas a fazer. Eu era Nick Belane, detetive particular."

Nick Belane antes de cair em outra armadilha sobre pistas do Pardal Vermelho

"Desliguei. Fiquei olhando o telefone. Porra mortal. Mas a gente podia precisar em caso de emergência. Nunca se sabe.
Eu precisava de férias. Precisava de cinco mulheres. Precisava tirar a cera dos ouvidos. Precisava trocar o óleo do carro. Tinha esquecido de apresentar a porra da declaração de rendimentos. Um dos meus óculos de leitura estava com o pino quebrado. O apartamento, cheio de formiga. Precisava limpar os dentes. Os sapatos estavam gastos no salto. Eu tinha insônia. O seguro do meu carro vencera. Eu me cortava toda vez que me barbeava. Há seis anos não dava uma boa risada. Tinha tendência a me preocupar quando não havia nada com que se preocupar. E quando havia alguma preocupação real eu tomava um porre.
O telefone tocou. Peguei novamente.
- Belane? - perguntou uma voz.
- Pode ser - respondi."

Pulp - Bukowski [pág 150]

Nick Belane após perder as pistas sobre o Pardal Vermelho

"Portanto, lá estava eu deprimido de novo. Voltei para casa, entrei e abri uma garrafa de uísque escocês. Voltara ao meu velho amigo, uísque escocês com água. O uísque escocês é uma bebida de que a gente não gosta imediatamente. Mas, depois que se acostuma, ele opera uma mágica. Acho nele um calor especial que o simples uísque não tem. De qualquer modo, eu estava deprimido e me sentei numa cadeira com a garrafa ao lado. Não liguei a televisão, descobri que quando a gente está mal a filha-da-puta só faz a gente se sentir pior. Uma cara chata após a outra, parece não ter fim. Uma procissão interminável de idiotas, alguns famosos.Os cômicos não tinham graça, e os dramas eram de quarta classe. Não havia muita alternativa para mim, exceto o escocês.
A garoa se transformara em chuva pesada, e fiquei ali ouvindo-a bater no telhado."

Pulp - Bukowski [pág 145]

sexta-feira, 25 de março de 2011

Nick Belane na sala de espera do analista

"Esperamos e esperamos. Todos nós. Não saberia o analista que a espera é uma das coisas que faziam as pessoas ficarem loucas? Esperavam para viver, esperavam para morrer. Esperavam para comprar o papel higiênico. Esperavam na fila para pegar dinheiro. E, se não tinham dinheiro, precisavam esperar em filas mais longas. A gente tinha de esperar para dormir e esperar para acordar. Tinha de esperar para se casar e para se divorciar. Esperar pela chuva e esperar pelo sol. Esperar para comer e esperar para comer de novo. A gente tinha de esperar na sala de espera do analista com um monte de doidos, e começava a pensar se não estava ficando doido também.
Devo ter esperado tanto que dormi e fui acordado pela recepcionista, que me sacudia, dizendo:
- Sr. Belane, Sr. Belane, o senhor é o próximo.
Era uma mulher velha e feia, mais feia do que eu. Me assustou, com o rosto tão próximo do meu. A morte deve ser assim, pensei, como essa velha.
- Doçura - eu disse -, eu estou pronto.
- Siga-me - ela disse."

Pulp - Bukowski [pág 87]

Nick Belane acordando para mais um dia de investigação

"Acordei deprimido. Fiquei olhando para o teto, as rachaduras do teto. [...]
Decidi ficar na cama até o meio-dia. Talvez então a metade do mundo estivesse morta e ele seria metade menos difícil de enfrentar. Talvez quando eu me levantasse de tarde tivesse uma aparência melhor, me sentisse melhor. [...]
Aí o telefone tocou. Deixei tocar. Nunca atendia ao telefone na parte da manhã. Tocou cinco vezes e parou. Eu estava sozinho comigo mesmo. E, por mais repugnante que fosse, era melhor que estar com alguém, qualquer um, todos lá fora fazendo seus pequenos truques e piruetas. Puxei as cobertas até o pescoço e esperei."

Pulp - Bukowski [págs 76 e 77]

domingo, 6 de março de 2011


se quiser entrar
na minha paisagem
traga um pôr-de-sol.

da série: haikai sem métrica


sábado, 5 de março de 2011

Eu não sou dessas pessoas que respiram e vivem amor 24 horas por dia, 7 dias por semana. Nunca fui. Eu sempre me interessei mais em procurar detalhes, imaginar, inventar, teorizar. Uma vez cheguei bem perto de ser amor-maníaca. Depois disso só consegui imaginar o amor. Sou uma pessoa muito imagética, e me valho de autores, compositores e cantores que escrevem e cantam o amor como ninguém. Ou como eu o imagino. Sinto que tenho muito mais inquietações além do amor. Tenho muitas respostas a me dar sobre a vida, sobre o mundo, sobre as pessoas, e, principalmente sobre mim. Já fui dita racional e fria por pessoas bem próximas, mas, não... Tenho certeza que sou emoção pura, mesmo sem deixar de, às vezes, ser racional. Não há racionalidade sem emoção, e eu sou emoção à flor da pele. Ou emoção à flor da imaginação, emoção à flor das coisas simples e ditas pequenas, emoção à flor das surpresas. Essas sim são importantes, as surpresas. Só gosto do amor quando ele surpreende. Amor previsível não me atrai. Por isso gosto de imaginar o amor a noite. Entre um cochilo e outro ele muda de roupagem, de rosto, de tamanho. Eu sou dessas pessoas que imaginam o amor toda noite.

quinta-feira, 3 de março de 2011

BORING FRIENDS by Lydia Davis

We know only four boring people. The rest of our friends we find very interesting. However, most of the friends we find interesting find us boring: the most interesting find us the most boring. The few who are somewhere in the middle, with whom there is reciprocal interest, we distrust: at any moment, we feel, they may become too interesting for us, or we too interesting for them.

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Amigos entediantes (tradução minha)

Conhecemos só quatro pessoas entediantes. Achamos que o resto de nossos amigos são interessantes. No entanto, a maioria dos amigos que achamos interessantes nos acham entediantes: os mais interessantes nos acham os mais entediantes. Nos poucos que estão no meio, com os quais há interesse mútuo, não confiamos: a qualquer momento sentimos que eles podem vir a ser muito interessante para nós, ou nós muito entediantes para eles.

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Hoje na aula de 'Contemporary American Literature' lemos essa short story da Lydia Davis, uma escritora contemporânea, que ainda está viva.
Ela trata de temas atuais e pertinentes à vida moderna. Parece capturar uma essência que nos foge; escreve o que você já pensou, mas nunca conseguiu escrever.
Essa short story nos fala, especialmente, de relações interpessoais.
Poderíamos trocar os adjetivos 'entediante' e 'interessante' por quaisquer outros e ainda assim teríamos o mesmo efeito. Boring e interesting foram os escolhidos, pois, nos EUA hoje em dia esses são adjetivos muito comuns. Ao responder sua opinião sobre qualquer assunto as pessoas insistem em dizer boring ou interesting.
Tente trocá-los por feio e bonito, pobre e rico. E então?

(texto escrito a partir de discussões feitas em sala)

quarta-feira, 2 de março de 2011

Andando por essas ruas molhadas em dias acinzentados, posso perceber o quanto é fácil ter uma paixão diferente a cada dia. Ah, as pessoas! Pra lá e pra cá com seus jeitos e trejeitos. Bastam alguns gestos para que a paixão aconteça. Fugaz? Claro, e, não poderia deixar de ser. Fugaz como tudo, como todos.
Você deve estar se perguntando: - paixão sem ao menos saber o gosto musical, o estilo de vida, os planos futuros, a idade, a opção sexual, o nome?
Sim. E sem saber, também, outras coisas cujo conhecimento é necessário a alguém que esteja interessado em se apaixonar ou se tornar apaixonável. Na verdade, nada disso importa.
A paixão acontece. Vive-se euforicamente alguns minutos do dia. Admira-se, repara-se, teoriza-se, hipotetiza-se. E então, sem a menor chance de tornar-se um romance, a paixão acaba - a partir dos passos a caminhos contrários.
Acaba com tristeza? Não. Amanhã é outro dia.

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

SAUDADE

(Augusto dos Anjos)

Hoje que a mágoa me apunhala o seio,
E o coração me rasga atroz, imensa,
Eu a bendigo da descrença em meio,
Porque eu hoje só vivo da descrença.

À noite quando em funda soledade
Minh'alma se recolhe tristemente,
Pra iluminar-me a alma descontente,
Se acende o círio triste da Saudade.

E assim afeito às mágoas e ao tormento,
E à dor e ao sofrimento eterno afeito,
Para dar vida à dor e ao sofrimento,

Da saudade na campa enegrecida
Guardo a lembrança que me sangra o peito,
Mas que no entanto me alimenta a vida.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

paisagem velha

Ela não sabe se essas sensações são devido as andanças que tem feito por aí, os outros ares que respirou, as nuvens que são retas embaixo, os bares de paredes vermelhas, ou os sotaques diversos que contemplou. Ela só sabe que consegue sentir. Até que isso de sentir não é lá de todo ruim, pois, já houveram dias em que não sentiu nada... É uma inquietação chata. Um sentimento de que ela precisa viver algo que está fora dessa cidade, dessas cores, dessas praças, dessas ruas. Algo além, sabe? Além desse samba e desses afazeres. Existe também um medo - e certeza - de que depois, já em outro lugar, tudo volte a essa inquietação, e ela precise viver algo que esteja fora, bem longe dali.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

The same sun - Have Heart

Pra ouvir - aqui

"Son, did you stare too long in front of that mirror?
did it break when your conscience didn't get any clearer
with the stomach you'll fill with all the food you eat
and lack of pain you feel for the eyes that weep
outside your windowsill of the castle where you sleep?

Has the sun stopped shining upon the crown you hang?
has your love and your hate started to feel the same?
did that leave you feeling empty, feeling sick,
feeling as empty as a child's stomach?

As alone and forsaken as you'd like to be
there are shoreless miseries of oceans, not seas
while you wallow and wait in your tower of ivory
your sister is starving, your brother is begging

Your sisters are starving, your brothers are begging
your mothers are mourning, your fathers are folding

Unseen, unsung -- under the same sun

Wake up, look up, there's a warmth up there
a reminder of peace, a reason to care
A reason to care

Wake up, look up, that's something you share
There's more to life than the boy in that mirror...
Wake up, wake up, wake up."

...from the depths of this hell:
where the free are slaves,
no difference between the cowards and brave,
where our love and hate have become the same,
it's time that we "unbecame"...
Where the ears are deaf, and tongues too dry
where the arms don't hold, and seeing eyes go blind
Where nothing is everything
and everything is nothing:

"Arise-my soul, and sing."






terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

fórmula

Pra quem sabe
amar não existe
credo, cor, distância,
janela, calor, cotação,
lotação, rua, gênero.
Pra quem quer
amar é preciso
pôr-do-sol, refrão, chuva,
sonho, paciência, flor,
suspensão do medo.
Saber ou querer
amar independe de
qualquer fórmula assim.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Por todos os textos que comecei a escrever há dias e dias e não continuei

É. Não continuei. Porque, terminar é outra coisa. Terminar texto é como terminar de arrumar bagunça, terminar de falar com alguém que você admira, terminar de ler aquelas poesias que você tanto gosta. Não há esse tal de terminar de escrever.
Assim como também não há o que controlar, deter, determinar, segurar. É sentir amanhecer e ver que algo maior te enfia essa falta de controle garganta abaixo. Até porque a vida não é um vídeo-game. Ou seria algum jogo onde o personagem principal é, apesar das tentativas, incontrolável?
E é isso que tenho descoberto e encarado. Não há como prever e tentar acertar nas escolhas sempre e sobre-tudo. O inesperado dá um jeito de surpreender. Felizmente.




segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Conheci a Teice nesse mundo do blog de uma forma pouco comum. Talvez por isso ela tenha ficado. É incrível como nossos temas de interesse são comuns, e como ela diz na poesia tudo que eu não consigo. Só tenho a agradecer por esse selinho! O seu blog também mexe com a minha alma e me faz querer viver, cada vez mais, dentro da palavra. Obrigada!


sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

"Show me, show me, show me how you do that trick! The one that makes me scream!" - she said.
"The one that makes me laugh!" - she said. And threw her arms around my neck.
"Show me how you do it, and I promise you, I promise that I'll run away with you."
"I'll run away with you."

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

- E aí que ele tava lá no msn, online.

- Uhm.

- Eu sei que ele nunca fala comigo. Com certeza não quer falar comigo.

- Ainda bem que você sabe.

- É. [...] Mas o nick dele era tão legal, tinha uma mensagem positiva, sabe?

- Sim. Qualquer um pode copiar qualquer trecho de qualquer música e criar esse efeito.

- Mas, era diferente... e eu já ia sair do msn. Só que resolvi falar com ele. Elogiar o nick e tal, mas juro que não era desculpa pra falar com ele.

- Aham, claro. E aí, ele respondeu?

- Eu escrevia, e as mensagens voltavam. Parecia um complô. Algo me dizendo pra parar de tentar.

- E você parou, não é?

- Não...

- Aff.

- Continuei, e as mensagens continuaram a voltar. Então desisti. É. Desisti.

- Até que enfim. Antes tarde do que nunca...

- Resolvi que, se da próxima vez ele entrasse no msn com aquele nick denovo, eu falaria com ele, pela última vez. E hoje mais cedo ele entrou.

- ...!

- Com um nick diferente.

sábado, 8 de janeiro de 2011

enfim um olhar calmo para tudo aquilo.
tudo aquilo que ela tanto quis por tanto tempo, e que estava prestes a cair na rotina.
o chão, as paredes, os telhados. as árvores.
sem quase ninguém por perto ela quase pode apalpar visualmente o que é tão cotidiano.
e viu beleza. muita!

só se for!

- Eu acho que deveríamos mudar de casa a cada vez que 'trocamos' a pessoa que amamos, ou a cada vez que a pessoa que amamos se muda de nossas casas.

- Uhm.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Haikai que ganhei do Xuxu, tbm conhecido como Glaycon :)

Com seu punho de

liberdade e sua força de
âncora, lá vai ela voando!

da série: Haikai sem métrica


segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

a
chuva
cai
macia
serena
bonita.
as
vezes
cai
forte
chamando
anunciando
mostrando
que
está
ali.
cai
em
preto
em
branco
ou
da
cor
que
você
quiser.
cai
dentro
da
minha
blusa
escorregando
até
o
final
da
espinha.
cai
assim
gostosa
e
íntima.
cai
tão
minha.