sábado, 2 de abril de 2011

Sobre eu e Nick Belane

Ontem o dia amanheceu estranho. Parecia fresco, mas, só parecia. Abri os olhos mas não conseguia levantar. Passara a maior parte da noite acordada, afundada em tarefas e tarefas intermináveis. Aliás, essa já era uma constante. Saí de casa, atrasada. Sabia que ia ser meu último dia junto ao Nick Belane [ao menos dessa vez], pois, só umas 50 páginas de leitura me separavam da última.
Respirei fundo, entrei no ônibus, abri o livro. Nick Belane - o melhor detetive de LA. Tão humano, tão sensível, tão idiota, tão pensante, tão eu. A não ser em relação ao vício com a bebida e as corridas de cavalo, tão eu.
Gosto da paisagem da universidade em que estudo. Gosto mesmo. Gosto da minha cidade natal, também. Mas, tem dias que simplesmente eu não caibo aqui. E esses dias têm sido cada vez mais frequentes. Cada pessoa que passou por mim ontem me irritou profundamente. Tinha um grupinho de estudantes parado no meu caminho. Ou eu pedia pra passar, ou passava em baixo do braço do cara. E foi isso que fiz - passei embaixo do braço dele, e, levei uma pancada na cabeça. Por que ele tinha que abaixar o braço aquela hora? Parecia até implicância.
Entrei na sala. Lotada. Odeio essas disciplinas que vários cursos são obrigados a fazer e que deixam a sala misturada, uma bagunça. Uma das poucas pessoas com quem eu me importo naquele curso tinha guardado lugar pra mim.
- Bethânia, você tá bem?
- Respirar dói - disse com os olhos quase prontos para expelir lágrimas.
Passou. Sempre passa. E, sempre volta.
Fui trabalhar após o almoço. Calor, sono, e um ônibus lotado, com um motorista que não sabe pisar no freio gradativamente. Isso me separava do Nick Belane e suas peripécias de detetive. O pior detetive de LA.
Na volta do trabalho é que tive meus últimos momentos a sós com Nick. E, tinha uma menina felizinha sentada do meu lado. Desceu numa parada perto de um cursinho pré-vestibular da elite da cidade. Era daquelas que os pais pagavam horrores para que ela pudesse entrar na faculdade. Mal ela não sabia o que a esperava por lá. Sorrisos falsos, olhares discriminadores, pessoas completamente interessadas em se aproveitar de você e sua atividade intelectual.
Cheguei na última página. Fiquei triste. Muito triste. Nick morre no final. Você morre no final. Eu morro no final. Os finais são assim. Tristeza seguida de um vazio agudo, e uma sensação de que ando assim, cheia de tudo. As pessoas não entendem o que sinto quando acabo de ler um livro com o qual me envolvi emocionalmente. A menina felizinha do cursinho não entende. Você não entende.
Com o Nick não tive medo de ver um lado que às vezes tento esconder de mim. Ele é encanto e desencanto. E é por essas e outras que sentirei tanta falta dele.

"Do lado de fora, atravessei decidido a poluição. Tinha os olhos azuis, os sapatos velhos e ninguém me amava. Mas tinha coisas a fazer. Eu era Nick Belane, detetive particular."

Nenhum comentário:

Postar um comentário