sexta-feira, 25 de março de 2011

Nick Belane na sala de espera do analista

"Esperamos e esperamos. Todos nós. Não saberia o analista que a espera é uma das coisas que faziam as pessoas ficarem loucas? Esperavam para viver, esperavam para morrer. Esperavam para comprar o papel higiênico. Esperavam na fila para pegar dinheiro. E, se não tinham dinheiro, precisavam esperar em filas mais longas. A gente tinha de esperar para dormir e esperar para acordar. Tinha de esperar para se casar e para se divorciar. Esperar pela chuva e esperar pelo sol. Esperar para comer e esperar para comer de novo. A gente tinha de esperar na sala de espera do analista com um monte de doidos, e começava a pensar se não estava ficando doido também.
Devo ter esperado tanto que dormi e fui acordado pela recepcionista, que me sacudia, dizendo:
- Sr. Belane, Sr. Belane, o senhor é o próximo.
Era uma mulher velha e feia, mais feia do que eu. Me assustou, com o rosto tão próximo do meu. A morte deve ser assim, pensei, como essa velha.
- Doçura - eu disse -, eu estou pronto.
- Siga-me - ela disse."

Pulp - Bukowski [pág 87]

Nick Belane acordando para mais um dia de investigação

"Acordei deprimido. Fiquei olhando para o teto, as rachaduras do teto. [...]
Decidi ficar na cama até o meio-dia. Talvez então a metade do mundo estivesse morta e ele seria metade menos difícil de enfrentar. Talvez quando eu me levantasse de tarde tivesse uma aparência melhor, me sentisse melhor. [...]
Aí o telefone tocou. Deixei tocar. Nunca atendia ao telefone na parte da manhã. Tocou cinco vezes e parou. Eu estava sozinho comigo mesmo. E, por mais repugnante que fosse, era melhor que estar com alguém, qualquer um, todos lá fora fazendo seus pequenos truques e piruetas. Puxei as cobertas até o pescoço e esperei."

Pulp - Bukowski [págs 76 e 77]

domingo, 6 de março de 2011


se quiser entrar
na minha paisagem
traga um pôr-de-sol.

da série: haikai sem métrica


sábado, 5 de março de 2011

Eu não sou dessas pessoas que respiram e vivem amor 24 horas por dia, 7 dias por semana. Nunca fui. Eu sempre me interessei mais em procurar detalhes, imaginar, inventar, teorizar. Uma vez cheguei bem perto de ser amor-maníaca. Depois disso só consegui imaginar o amor. Sou uma pessoa muito imagética, e me valho de autores, compositores e cantores que escrevem e cantam o amor como ninguém. Ou como eu o imagino. Sinto que tenho muito mais inquietações além do amor. Tenho muitas respostas a me dar sobre a vida, sobre o mundo, sobre as pessoas, e, principalmente sobre mim. Já fui dita racional e fria por pessoas bem próximas, mas, não... Tenho certeza que sou emoção pura, mesmo sem deixar de, às vezes, ser racional. Não há racionalidade sem emoção, e eu sou emoção à flor da pele. Ou emoção à flor da imaginação, emoção à flor das coisas simples e ditas pequenas, emoção à flor das surpresas. Essas sim são importantes, as surpresas. Só gosto do amor quando ele surpreende. Amor previsível não me atrai. Por isso gosto de imaginar o amor a noite. Entre um cochilo e outro ele muda de roupagem, de rosto, de tamanho. Eu sou dessas pessoas que imaginam o amor toda noite.

quinta-feira, 3 de março de 2011

BORING FRIENDS by Lydia Davis

We know only four boring people. The rest of our friends we find very interesting. However, most of the friends we find interesting find us boring: the most interesting find us the most boring. The few who are somewhere in the middle, with whom there is reciprocal interest, we distrust: at any moment, we feel, they may become too interesting for us, or we too interesting for them.

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Amigos entediantes (tradução minha)

Conhecemos só quatro pessoas entediantes. Achamos que o resto de nossos amigos são interessantes. No entanto, a maioria dos amigos que achamos interessantes nos acham entediantes: os mais interessantes nos acham os mais entediantes. Nos poucos que estão no meio, com os quais há interesse mútuo, não confiamos: a qualquer momento sentimos que eles podem vir a ser muito interessante para nós, ou nós muito entediantes para eles.

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Hoje na aula de 'Contemporary American Literature' lemos essa short story da Lydia Davis, uma escritora contemporânea, que ainda está viva.
Ela trata de temas atuais e pertinentes à vida moderna. Parece capturar uma essência que nos foge; escreve o que você já pensou, mas nunca conseguiu escrever.
Essa short story nos fala, especialmente, de relações interpessoais.
Poderíamos trocar os adjetivos 'entediante' e 'interessante' por quaisquer outros e ainda assim teríamos o mesmo efeito. Boring e interesting foram os escolhidos, pois, nos EUA hoje em dia esses são adjetivos muito comuns. Ao responder sua opinião sobre qualquer assunto as pessoas insistem em dizer boring ou interesting.
Tente trocá-los por feio e bonito, pobre e rico. E então?

(texto escrito a partir de discussões feitas em sala)

quarta-feira, 2 de março de 2011

Andando por essas ruas molhadas em dias acinzentados, posso perceber o quanto é fácil ter uma paixão diferente a cada dia. Ah, as pessoas! Pra lá e pra cá com seus jeitos e trejeitos. Bastam alguns gestos para que a paixão aconteça. Fugaz? Claro, e, não poderia deixar de ser. Fugaz como tudo, como todos.
Você deve estar se perguntando: - paixão sem ao menos saber o gosto musical, o estilo de vida, os planos futuros, a idade, a opção sexual, o nome?
Sim. E sem saber, também, outras coisas cujo conhecimento é necessário a alguém que esteja interessado em se apaixonar ou se tornar apaixonável. Na verdade, nada disso importa.
A paixão acontece. Vive-se euforicamente alguns minutos do dia. Admira-se, repara-se, teoriza-se, hipotetiza-se. E então, sem a menor chance de tornar-se um romance, a paixão acaba - a partir dos passos a caminhos contrários.
Acaba com tristeza? Não. Amanhã é outro dia.